domingo, 8 de junho de 2014

Geopolítica Digital: a disputa de poder entre softwares proprietários e livres

Geopolítica Digital

A disputa de poder entre softwares proprietários e livres


Índice


1. Formatos abertos e fechados
2. Steve Jobs X Shockwave Flash da Adobe
3a. O caso ODF (Open Document Format) 
3b. Geopolítica: O Brasil na defesa do Padrão ODT X EUA e a Microsoft
4. A Educação, os formatos e os REA
5. Softwares livres úteis



“Exceto a comunicação face a face; a comunicação pessoal, interpessoal e social mediada por instrumentos será uma comunicação operada por software. Software e comunicação em rede dependem de padrões, protocolos e de formatos

(Sergio Amadeu da SILVEIRA, 2012, p. 111).




Formatos Abertos
Autor: Sergio Amadeu da Silveira in:

RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS: práticas colaborativas e políticas públicas

REMIXE ESTE LIVRO: http://livrorea.net.br
Adaptação do texto: Sidnei Lopes Ribeiro


1. Formatos abertos e fechados

O que é um formato? 
É um modo específico de codificar a informação para armazenar e recuperar arquivos de computador. Formatos são implementados por softwares, são digitais e podem ser fechados (proprietários) ou abertos (livres).



Nos formatos fechados os códigos das instruções para o computador salvar e recuperar as informações são secretos, patenteados ou licenciados em copyright pelo seu desenvolvedor e são pagos e caros. O “.doc” da Microsoft, por exemplo, é um formato fechado.


Formatos abertos têm sua codificação aberta e não estão submetidos a bloqueios legais de uso. Um exemplo é “.odt” (open document text), “concorrente” do “.doc”



Formatos são instrumentos de biopoder. 
Condicionam e em certas situações determinam nossa comunicação e nossa memorização. Em uma sociedade informacional com o uso intenso de softwares, a formatação do conjunto de informações e nossa memorização tornam-se dependentes de formatos digitais. Assim, as corporações de tecnologia procuram lucrar muito a partir do controle dos formatos.


Assim como nas cidades há disputas entre as classes sociais pela apropriação e usos dos espaços urbanos, os formatos representam um padrão de uso da tecnologia, em uma tentativa de monopolizar um dos seus segmentos por corporações que, muitas vezes, aprisionam seus usuários.



Computadores só entendem 0 e 1 (linguagem binária)
Formatos dizem como converter a informação para a linguagem binária (computadores só entendem 0 e 1). A reconversão das informações em código binário depende de conhecer as regras de conversão dos softwares. Formatos delimitam o que e como pode ser guardado, a quantidade de bits necessários para o arquivamento e a qualidade de recuperação das informações.



Por exemplo, o vídeo gravado em um formato proprietário poderá ser aberto apenas pelos softwares de empresas ou comunidades de desenvolvedores que saibam como implementá-lo por terem desenvolvido sua codificação ou realizado a engenharia reversa necessária a sua leitura e exposição.


Há muitos formatos de arquivos para diferentes tipos de informação mas a maioria é incompatível entre si. Isto significa que se um arquivo for salvo em formato Adobe Flash (extensão .swf), só será aberto em softwares com um plug-in especial do programa Flash Player, que é um aplicativo leve (só 6 MB) somente de leitura, distribuído gratuitamente pela Adobe.



A propriedade de um formato de arquivo digital também dá ao seu dono o controle sobre o software leitor do arquivo. Quando são proprietários, o formato e o software que arquiva e lê informações digitais integram um processo econômico que pode aprisionar seus usuários. Sem acesso às instruções que compõem a conversão do formato ou impedido de desenvolver a conversão por proibição legal, o usuário de um formato proprietário teria um grande custo para trocar todos os dados para se libertar de uma solução proprietária.



2. Steve Jobs X Shockwave Flash da Adobe


Em abril de 2010, o então líder da Apple, Steve Jobs, divulgou um texto explicando os motivos porque a Apple não poderia usar arquivos de extensão .swf (Shockwave Flash File) para gerar animações pelo software Adobe Flash. Jobs dizia claramente que era para a Apple não ficar aprisionada à empresa Adobe.



No texto, chamado Thoughts on Flash (http://www.apple.com/hotnews/thoughts-on-flash), Jobs afirma que “os produtos Flash da Adobe são 100% proprietários. Eles só estão disponíveis a partir da Adobe e a Adobe tem autoridade exclusiva sobre a valorização futura, preços etc. ” [...] Por basicamente qualquer definição, o Flash é um sistema fechado”.



Jobs sabia que o padrão aberto é o que garante a liberdade de criação e de ação de usuários e de desenvolvedores. Padrões fechados colocam os usuários em prisões lógicas que os tornam completamente dependentes dos desenvolvimentos das empresas que os dominam. A argumentação de Jobs aponta os principais obstáculos das soluções proprietárias para qualquer usuário que busque o mínimo de autonomia de decisão sobre suas criações.


3a. O caso ODF (Open Document Format)

Os parágrafos deste item vêm do artigo “Guerra de formatos”, publicado por Sergio Amadeu da Silveira na Revista Select, de 1º Dez. 2011.




Tratam do embate entre formatos abertos e fechados e buscam esclarecer o papel do formato aberto para garantir a interoperabilidade e a compatibilidade de textos produzidos a partir de softwares diferentes.



Para superar as dificuldades da incompatibilidade entre formatos de documentos digitais, foi criado o Open Document Format (ODF) pelo consórcio Organization for the Advancement of Structured Information Standards (OASIS). 


Baseado na linguagem XML, o ODF é aberto e pode ser aplicado por todo software de escritório para armazenar textos, planilhas, bases de dados, desenhos e apresentações. Foi aprovado como norma ISO em 2006, tornando-se um padrão aberto internacional. A finalidade do ODF é superar o aprisionamento lógico que um formato proprietário pode construir.

Independentemente do software utilizado para produzir um texto, ao salvá-lo em um formato ODF, ele poderá ser aberto em qualquer programa editor de texto. Deste modo, adquirimos maior autonomia e independência em relação à empresa que desenvolveu o editor que permitiu salvar o arquivo. Além disso, o padrão e o formato aberto estimulam a competição entre desenvolvedores de software em cima de um mesmo conjunto conhecido de especificações.



3b. Geopolítica: O Brasil na defesa do Padrão ODT x EUA e a Microsoft



O governo brasileiro apoiou a aprovação do ODF na ISO e incentivou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) a adotá-lo. Mas a Microsoft percebeu que o formato aberto logo anularia sua estratégia de fidelização (para publicitários) ou aprisionamento (para economistas e sociólogos) de usuários, pois ao ter que usá-lo em seus produtos, deixaria de ser a única empresa a abri-los.



A Microsoft, como guardiã do software proprietário logo criou um padrão próprio para enfraquecer a existência e adoção do ODF. O mais interessante é que a Microsoft eufemisticamente chamou seu formato de “Open XML”. Repare que o XML é uma linguagem aberta, criada pelo World Wide Web Consortium (W3C), altamente portável, que foi descrito assim na Wikipedia: “não depende das plataformas de hardware ou de software. Um banco de dados pode, através de uma aplicação, escrever em um arquivo XML, e um outro banco distinto pode ler, então, estes mesmos dados”.

Assim, para os desavisados, uma das empresas que mais cria incompatibilidades programadas no mundo digital, teria lançado um padrão aberto.


 
Ironicamente "you need Adobe Flash Player to see this video"




A delegação brasileira na ISO votou contra a definição do Open XML como norma internacional. O coordenador do ODF no Brasil, Jomar Silva, escreveu 42 objeções técnicas sobre o padrão da Microsoft, a maioria sem resposta até hoje. O Brasil conseguiu obstruir a aprovação do Open XML por seis meses, mas diversos países mudaram seu voto depois de uma grande pressão exercida pela Microsoft sobre diversos governos. 

Mas a história ainda não acabou aí! 
Em meio aos diversos telegramas entre as embaixadas norte-americanas e o governo de Washington vazados e divulgados pelo Wikileaks, um deles tratava da guerra dos formatos. Na verdade todos já desconfiavam que a Microsoft atua e atuava em consonância com o governo norte-americano.



O presidente da Microsoft no Brasil, Michel Levy, procurou a diplomacia norte- americana no final de 2007 para atacar a posição do governo brasileiro, apontada como uma agressão à propriedade intelectual, e fruto de uma postura completamente antiamericana. O presidente da Microsoft pedia intervenção do governo norte-americano para barrar a ação contra o Open XML (grafado como XML no telegrama, um erro claro do diplomata, devido ao "eufemismo" da própria Microsoft).



O trecho do telegrama é esclarecedor: De acordo com Levy, o Itamaraty  pressionou a Agência Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para adotar uma postura mais agressiva contra o uso do ["open"] XML como um dos dois padrões possíveis, juntamente com ODF no Brasil. Além disso, Levy afirmou que possuir cartas enviadas pelo Itamaraty a vários governos estrangeiros pedindo que trabalhem em conjunto para suportar apenas o ODF, que possui código aberto como o padrão internacional (Como ele conseguiu estas cartas?).



A Microsoft atuou junto com o governo norte-americano para inverter a posição de muitos países que consideravam equivocada a existência de dois padrões ISO para formatos de documentos digitais. O ODF j á era norma ISO. O peso de Washington e o lobby da gigante do mundo industrial venceram a batalha e o Open XML foi aprovado, mas o ODF não parou de avançar


Se você quer saber mais sobre as famosas espionagens dos EUA há ótimas reportagens no portal da Revista Fórum. Acesse:




4. A educação, os formatos e os REA


Um educador não tem completa autonomia para decidir sobre sua própria criação se utilizou formatos proprietários. Se uma escola produziu suas animações em Flash será obrigado a usar produtos da Adobe para visualizá-las. Além disso, esse formato de arquivamento não permite que o trabalho realizado seja recortado, ampliado, remixado, recombinado e nem melhorado. Existem formatos que excluem as práticas culturais recombinantes sendo completamente impróprios para sua utilização no processo educacional, principalmente se a escola pretende produzir Recursos Educacionais Abertos  (REA).



O PDF é um formato de arquivo aberto, ou seja, qualquer desenvolvedor tem acesso às suas especificações e pode escrever aplicativos que leiam o seu padrão. [Atualmente também é possível editar documentos .pdf com o LibreOffice. Ao exportar um documento para o formato pdf é só marcar a caixa Incorporar arquivo OpenDocument (veja a figura abaixo) que o arquivo fica editável no LibreOffice. Isso é mais um grande passo rumo à liberdade na criação de conhecimento - adicionado por Sidnei Lopes Ribeiro - 2014].

Como o LibreOffice permite edição de documentos PDF

Avery Lee, um desenvolvedor de software livre, recebeu no ano 2000 um aviso do advogado da Microsoft de que seu programa de edição de vídeo não poderia suportar o formato de áudio e vídeo ASF. Lee foi informado que, embora tivesse feito engenharia reversa, a implementação do formato era ilegal porque infringia patentes da Microsoft. 
Os formatos proprietários podem conter patentes, o que impede completamente o seu uso livre e dá ao dono do formato o poder de bloquear sua utilização para determinadas finalidades. 
Para ser aberto um formato precisa ser baseado em padrões abertos. Deve ainda ser desenvolvido de forma transparente e de modo coletivo, como ocorre, por exemplo, com o HTML 5. As especificações de um formato aberto devem estar documentadas e ser acessíveis a todos os interessados.



Por fim, um formato aberto deve ser mantido independente de qualquer produto e não pode ter qualquer extensão proprietária que impeça seu uso livre. A garantia do livre fluxo do conhecimento, bem como os esforços para assegurar o compartilhamento dos recursos educacionais, para avançar a construção do comum e para expandir a diversidade cultural impulsionam os formatos abertos, pois sua característica é de enfrentamento das práticas de aprisionamento lógico, cerceamento e controle da criatividade.



Fonte do texto principal:

Formatos abertos, por Sergio Amadeu da SILVEIRA

In:

RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS: práticas colaborativas e políticas públicas

Organizadores:

Bianca Santana

Carolina Rossini

Nelson De Luca Pretto



São Paulo/Salvador: 2012 - 1ª edição | 1ª impressão



REMIXE ESTE LIVRO: http://livrorea.net.br




Geopolítica Digital é um blog de 
sidnei lopes ribeiro (aluno de pós-graduação do curso de especialização em Planejamento, Implementação e Gestão de EAD - PIGEAD, da  Universidade Federal Fluminense (UFF), Junho de 2014). 
Professor de Geografia na Rede Estadual de São Paulo desde 1992.

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