Geopolítica Digital
A disputa de poder entre softwares proprietários e livres
Índice
1. Formatos
abertos e fechados
2. Steve
Jobs X Shockwave Flash da
Adobe
3a. O caso
ODF (Open Document Format)
3b. Geopolítica: O
Brasil na defesa do Padrão ODT X EUA e a Microsoft
4. A Educação, os formatos e os REA
5. Softwares livres úteis
5. Softwares livres úteis
“Exceto a comunicação face a face; a
comunicação pessoal, interpessoal e social mediada por instrumentos será uma comunicação operada por software. Software e comunicação
em rede dependem de padrões, protocolos e de formatos
(Sergio
Amadeu da SILVEIRA,
2012, p. 111).
Formatos Abertos
Autor: Sergio
Amadeu da Silveira in:
RECURSOS
EDUCACIONAIS ABERTOS: práticas colaborativas e políticas públicas
REMIXE
ESTE LIVRO: http://livrorea.net.br
Adaptação
do texto: Sidnei Lopes Ribeiro
1. Formatos
abertos e fechados
O
que é um formato?
É um modo específico de codificar a informação
para armazenar e recuperar arquivos de computador. Formatos são
implementados por softwares, são digitais e podem ser fechados
(proprietários) ou abertos (livres).
Nos formatos
fechados os códigos
das instruções para o computador salvar e recuperar as informações
são secretos, patenteados ou licenciados em copyright pelo seu
desenvolvedor e são pagos e caros. O “.doc” da Microsoft, por
exemplo, é um formato fechado.
Formatos
abertos têm sua codificação
aberta e não estão submetidos a bloqueios legais de uso. Um exemplo
é “.odt” (open document text), “concorrente” do “.doc”
Formatos
são instrumentos de biopoder.
Condicionam
e em certas situações determinam nossa comunicação e nossa
memorização. Em uma sociedade informacional com o uso intenso de
softwares, a formatação do conjunto de informações e nossa memorização tornam-se dependentes de formatos digitais.
Assim, as corporações de tecnologia procuram lucrar muito a partir do controle dos formatos.
Assim
como nas cidades há disputas entre as classes sociais pela apropriação e usos dos espaços urbanos, os
formatos representam um padrão de uso da tecnologia, em uma
tentativa de monopolizar um dos seus segmentos por
corporações que, muitas vezes, aprisionam seus usuários.
Computadores só entendem 0 e 1 (linguagem binária) |
Formatos
dizem como converter a informação para a linguagem binária
(computadores só entendem 0 e 1). A reconversão das
informações em código binário depende de conhecer as regras
de conversão dos softwares. Formatos delimitam o que e como pode ser
guardado, a quantidade de bits necessários
para o arquivamento e a qualidade de recuperação das informações.
Por
exemplo, o vídeo gravado em um formato proprietário poderá ser
aberto apenas pelos softwares de empresas ou comunidades de
desenvolvedores que saibam como implementá-lo por terem desenvolvido
sua codificação ou realizado a engenharia reversa necessária a sua
leitura e exposição.
Há muitos formatos de arquivos para diferentes tipos de
informação mas a maioria é incompatível entre si. Isto significa que se um arquivo for salvo em formato Adobe Flash (extensão .swf), só será aberto em
softwares com um plug-in especial do programa Flash Player,
que é um aplicativo leve (só 6 MB) somente de leitura, distribuído
gratuitamente pela Adobe.
A
propriedade de um formato de arquivo digital também dá ao seu dono
o controle sobre o software leitor do arquivo. Quando são proprietários,
o formato e o software que arquiva e lê informações digitais
integram um processo econômico que pode aprisionar seus usuários.
Sem acesso às instruções que compõem a conversão do formato ou
impedido de desenvolver a conversão por proibição legal, o usuário
de um formato proprietário teria um grande custo para trocar todos
os dados para se libertar de uma solução proprietária.
2. Steve
Jobs X Shockwave Flash da
Adobe
Em
abril de 2010, o então líder da Apple, Steve Jobs, divulgou um
texto explicando os motivos porque a Apple não poderia usar
arquivos de extensão .swf
(Shockwave Flash File) para gerar animações pelo software
Adobe Flash. Jobs dizia claramente que era para a Apple não ficar
aprisionada à empresa Adobe.
No
texto, chamado Thoughts on Flash (http://www.apple.com/hotnews/thoughts-on-flash),
Jobs afirma que “os produtos Flash da Adobe são 100%
proprietários. Eles só estão disponíveis a partir da Adobe e a
Adobe tem autoridade exclusiva sobre a valorização futura,
preços etc. ” [...] Por basicamente qualquer definição, o Flash é um sistema fechado”.
Jobs
sabia que o padrão aberto é o que garante a liberdade de criação
e de ação de usuários e de desenvolvedores. Padrões fechados
colocam os usuários em prisões lógicas que os tornam completamente
dependentes dos desenvolvimentos das empresas que os dominam.
A argumentação de Jobs aponta os principais obstáculos das
soluções proprietárias para qualquer usuário que busque o mínimo
de autonomia de decisão sobre suas criações.
3a. O caso
ODF (Open Document Format)
Os
parágrafos deste item vêm do artigo “Guerra de formatos”,
publicado por Sergio Amadeu da Silveira
na Revista Select, de 1º Dez. 2011.
Tratam
do embate entre formatos abertos e fechados e buscam esclarecer o
papel do formato aberto para garantir a interoperabilidade e a
compatibilidade de textos produzidos a partir de softwares
diferentes.
Para
superar as dificuldades da incompatibilidade entre formatos de
documentos digitais, foi criado o Open Document Format (ODF) pelo
consórcio Organization for the Advancement of Structured Information
Standards (OASIS).
Baseado
na linguagem XML, o ODF é aberto e pode ser aplicado por todo
software de escritório para armazenar textos, planilhas, bases de
dados, desenhos e apresentações. Foi aprovado como norma ISO em
2006, tornando-se um padrão aberto internacional. A
finalidade do ODF é superar o aprisionamento lógico que um formato
proprietário pode construir.
Independentemente do software
utilizado para produzir um texto, ao salvá-lo em um formato ODF, ele
poderá ser aberto em qualquer programa editor de texto. Deste modo,
adquirimos maior autonomia e independência em relação à empresa
que desenvolveu o editor que permitiu salvar o arquivo. Além disso,
o padrão e o formato aberto estimulam a competição entre
desenvolvedores de software em cima de um mesmo conjunto conhecido de
especificações.
3b. Geopolítica: O
Brasil na defesa do Padrão ODT x EUA e a Microsoft
O
governo brasileiro apoiou a aprovação do ODF na ISO e incentivou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) a adotá-lo.
Mas a Microsoft percebeu que o formato aberto logo anularia sua estratégia de fidelização (para publicitários) ou aprisionamento (para economistas e sociólogos) de usuários, pois ao ter que usá-lo em
seus produtos, deixaria de ser a única empresa a abri-los.
A Microsoft, como guardiã do software proprietário logo criou um
padrão próprio para enfraquecer a existência e adoção do ODF.
O mais interessante é que a Microsoft eufemisticamente chamou
seu formato de “Open XML”. Repare que o XML é uma linguagem
aberta, criada pelo World Wide Web Consortium (W3C), altamente
portável, que foi descrito assim na Wikipedia: “não
depende das plataformas de hardware ou de software. Um banco de
dados pode, através de uma aplicação, escrever em um arquivo XML,
e um outro banco distinto pode ler, então, estes mesmos dados”.
Assim,
para os desavisados, uma das empresas que mais cria
incompatibilidades programadas no mundo digital, teria lançado um
padrão aberto.
Ironicamente "you need Adobe Flash Player to see this video"
A
delegação brasileira na ISO votou contra a definição do Open XML
como norma internacional. O coordenador do ODF no Brasil, Jomar
Silva, escreveu 42 objeções técnicas sobre o padrão da Microsoft,
a maioria sem resposta até hoje. O Brasil conseguiu obstruir a
aprovação do Open XML por seis meses, mas diversos países mudaram
seu voto depois de uma grande pressão exercida pela Microsoft sobre
diversos governos.
Mas a história ainda não acabou aí!
Em meio
aos diversos telegramas entre as embaixadas norte-americanas e o
governo de Washington vazados e divulgados pelo Wikileaks, um deles
tratava da guerra dos formatos. Na verdade todos já desconfiavam que
a Microsoft atua e atuava em consonância com o governo
norte-americano.
O
presidente da Microsoft no Brasil, Michel Levy, procurou a diplomacia
norte- americana no final de 2007 para atacar a posição do
governo brasileiro, apontada como uma agressão à propriedade
intelectual, e fruto de uma postura completamente antiamericana. O
presidente da Microsoft pedia intervenção do governo norte-americano para barrar a ação contra o Open XML (grafado como XML no
telegrama, um erro claro do diplomata, devido ao "eufemismo" da própria
Microsoft).
O trecho
do telegrama é esclarecedor: De acordo com Levy, o Itamaraty
pressionou a Agência Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para
adotar uma postura mais agressiva contra o uso do ["open"] XML como um dos
dois padrões possíveis, juntamente com ODF no Brasil. Além disso,
Levy afirmou que possuir cartas enviadas pelo Itamaraty
a vários governos estrangeiros pedindo que trabalhem em conjunto
para suportar apenas o ODF, que possui código aberto como o padrão
internacional (Como ele conseguiu estas cartas?).
A
Microsoft atuou junto com o governo norte-americano para inverter a
posição de muitos países que consideravam equivocada a existência
de dois padrões ISO para formatos de documentos digitais. O ODF j
á era norma ISO. O peso de Washington e o lobby da gigante do mundo
industrial venceram a batalha e o Open XML foi aprovado, mas o ODF
não parou de avançar.
Se você quer saber mais sobre as famosas espionagens dos EUA há ótimas reportagens no portal da Revista Fórum. Acesse:
4. A
educação, os formatos e os REA
Um
educador não tem completa autonomia para decidir sobre sua própria
criação se utilizou formatos proprietários. Se uma escola
produziu suas animações em Flash será obrigado a usar produtos da Adobe para visualizá-las.
Além disso, esse formato de arquivamento não permite que o
trabalho realizado seja recortado, ampliado, remixado,
recombinado e nem melhorado. Existem formatos que excluem as práticas
culturais recombinantes sendo completamente impróprios para sua
utilização no processo educacional, principalmente se a escola
pretende produzir Recursos Educacionais Abertos (REA).
O PDF é
um formato de arquivo aberto, ou seja, qualquer desenvolvedor tem
acesso às suas especificações e pode escrever aplicativos que
leiam o seu padrão. [Atualmente também é possível editar documentos .pdf com o LibreOffice. Ao exportar um documento para o formato pdf é só marcar a caixa Incorporar arquivo OpenDocument (veja a figura abaixo) que o arquivo fica editável no LibreOffice. Isso é mais um grande passo rumo à liberdade na criação de conhecimento - adicionado por Sidnei Lopes Ribeiro - 2014].
Como o LibreOffice permite edição de documentos PDF |
Avery
Lee, um desenvolvedor de software livre, recebeu no ano 2000 um aviso do advogado da Microsoft de que seu programa de
edição de vídeo não poderia suportar o formato de áudio e vídeo ASF. Lee foi
informado que, embora tivesse feito engenharia reversa, a
implementação do formato era ilegal porque infringia patentes da
Microsoft.
Os formatos proprietários podem conter patentes, o
que impede completamente o seu uso livre e dá ao dono do formato o
poder de bloquear sua utilização para determinadas finalidades.
Para ser aberto um formato precisa ser baseado em padrões abertos.
Deve ainda ser desenvolvido de forma transparente e de modo coletivo, como ocorre, por exemplo, com o HTML 5. As especificações de um
formato aberto devem estar documentadas e ser acessíveis a todos
os interessados.
Por fim,
um formato aberto deve ser mantido independente de qualquer produto e
não pode ter qualquer extensão proprietária que impeça seu uso
livre. A garantia do livre fluxo do conhecimento, bem como os
esforços para assegurar o compartilhamento dos recursos
educacionais, para avançar a construção do comum e para expandir
a diversidade cultural impulsionam os formatos abertos, pois sua
característica é de enfrentamento das práticas de aprisionamento
lógico, cerceamento e controle da criatividade.
Fonte do
texto principal:
In:
RECURSOS
EDUCACIONAIS ABERTOS: práticas colaborativas e políticas públicas
Organizadores:
Bianca
Santana
Carolina
Rossini
Nelson
De Luca Pretto
São
Paulo/Salvador: 2012 - 1ª edição | 1ª impressão
REMIXE
ESTE LIVRO: http://livrorea.net.br
Geopolítica Digital é um blog de
sidnei lopes ribeiro (aluno de pós-graduação do curso de especialização em Planejamento, Implementação e Gestão de EAD - PIGEAD, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Junho de 2014).
Professor de Geografia na Rede Estadual de São Paulo desde 1992.
sidnei lopes ribeiro (aluno de pós-graduação do curso de especialização em Planejamento, Implementação e Gestão de EAD - PIGEAD, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Junho de 2014).
Professor de Geografia na Rede Estadual de São Paulo desde 1992.
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